quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Entrevista com o cordelista Luciano Ferreira

O cordelista Luciano Ferreira nasceu na fazenda Santo Antônio, zona rural de Coração de Maria, Bahia, em 15 de abril de 1976. É casado e tem duas filhas. É graduado em Letras com Espanhol e mestre em Estudos Literários, pela UEFS. É autor dos folhetos O eleitor e os santinhos da política, A história de Zé Parafuso, o eleitor cacete, Nas Brenhas do Sertão, Salve nossos animais e outros tantos. Em 2022, teve o poema Manifesto pela sustentabilidade selecionado no Festival de Mostra de Literatura de Cordel de Ibotirama. Luciano é o nosso entrevistado de hoje. 

FO: Recentemente você participou de um Seminário sobre Educação no Tribunal de Contas do Estado de Rondônia. Como foi essa experiência para sua vida? 

LF: Foi uma experiência maravilhosa estar num evento promovido por um órgão que entende que a Educação é compromisso de todos. Tive a oportunidade levar para outro estado e outra região do país minhas vivências nesse universo cultural que é o cordel, e também levar o nome de Coração de Maria porque é isso que faço em todas as minhas apresentações. O evento contou coma presença de intelectuais e artistas, como a pesquisadora paranaense Marta Rocha, a cantora Tiê e o poeta Eliseu Braga.

FO: Como a literatura de cordel entrou em sua vida?

LF: Na infância, meu pai recitava cordel pra mim. Esse foi meu primeiro contato com essa manifestação artística.

FO: Quando foi que você cursou a Universidade e de que maneira esta colaborou para sua produção como cordelista?

LF: Entrei na UEFS em 2007 para cursar Letras. Foi aí que tive um contato maior com a literatura e uma espécie de reencontro com as histórias que meu pai contava. Depois, a partir do contato com cordelistas como Antônio Barreto e Franklin Maxado (com “x” mesmo), comecei a escrever e publicar folhetos. Nesse processo, devo dizer que a Feira do Livro, hoje chamada FLIFS, evento promovido pela UEFS, foi e continua sendo um grande incentivo na minha atuação como cordelista.

FO: Qualquer pessoa pode ser um cordelista?

LF: Essa pergunta não é tão fácil de responder. Acredito que qualquer pessoa pode gostar do cordel a partir do momento que tiver contato com ele, e isso se estende a todos os gêneros literários. Passar a ser cordelista já é outra coisa: a partir do momento que se começa a ler ou mesmo ouvir as narrativas cordelísticas e se envolver com elas, o sujeito pode se começar a desenvolver essa habilidade. É algo que acontece naturalmente.

FO: A literatura de cordel é mais apreciada no interior ou nas grandes cidades?

LF: A literatura de cordel tem uma relação muito grande com o sertão, a vida interiorana. Mas foi nos grandes centros que ela se difundiu. Recife por exemplo, foi um importante centro difusor do cordel. Salvador também. E até mesmo São Paulo foi local onde muitos cordelistas encontraram terreno para a circulação de sua produção. Hoje, as festas literárias e eventos culturais que acontecem nas cidades formam o palco do cordel.

FO: Praticamente todos são homens, existe poucas mulheres cordelistas, poderíamos dizer que a literatura de cordel é machista?

LF: Dizer que é machista seria uma generalização, mas negar a existência do machismo no cordel já seria uma atitude machista. O machismo, como uma doença social, deve ser combatido em todos os segmentos e no cordel não é diferente. Lamentavelmente a mulher não tinha o mesmo espaço que o homem no cordel, mas isso tem melhorado muito. Hoje temos muitas mulheres autuando como cordelista, ocupando seu lugar de direito, e a tradição ganha muito com isso. 

FO: O advento da internet foi bom ou prejudicial para a literatura de cordel? 

LF: As cosias sempre têm dois lados. Não tenho dúvida que a internet contribui para a difusão do gênero, disseminação dos textos e visibilidade dos cordelistas. No entanto parece ter havido um diminuição na compra dos folhetos, já que quase tudo se encontra na internet.

FO: Como é seu processo de escrever? Como se inspira?

LF: Em geral a escrita é um processo que requer tempo e atenção. Em muitos casos há uma necessidade de pesquisa antes da escrita, há também uma necessidade de revisão criteriosa porque o cordel possui regras que devem ser respeitada para que se tenha um bom texto. Já a inspiração pode vir de um acontecimento recente, de um fato circunstancial, mas sobretudo vem da minha visão de mundo. A crítica social, os problemas que afligem a sociedade são sempre motivos para o que escrevo. Escrevo também por solicitação, quando alguém me procura para fazer um cordel para determinado evento.

FO: Como você vê o futuro do cordel?

LF: Promissor. Nunca se falou tanto em cordel. Hoje quase todas escolas têm algum projeto que envolve o cordel. As feiras literárias também tem começado a dar espaço, e até mesmo os meios de comunicação têm dado visibilidade a esse fazer poético. É preciso, no entanto, que se valorize mais o cordelista, já que a venda do folheto não é mais tão forte e o poeta precisa sobreviver de sua arte. 

FO: O que precisa ser feito nas escolas para incentivar a cultura, em especial o cordel?

LF: É através da cultura que conhecemos nossas raízes, nossa razão de ser e estar no mundo. Portanto é preciso entender os elementos e valores de nossa cultura e levá-los para o ambiente escolar, não como forma de diversão somente, mas sobretudo visando ao fortalecimento de nossa relações de pertencimento e ao desenvolvimento do senso crítico. As escolas têm feito atividades que envolvem o cordel, no entanto tem ocorrido algo que, a meu ver, é um equívoco: colocar o estudante para fazer cordel já no primeiro contato, como se isso fosse possível. Os projetos com a literatura de cordel devem ser estimulados, já que esta é uma literatura que tem tudo a ver com nossa história, nossa memória e tradição. Então o primeiro passo é criar situações em que os estudantes possam ter um contato maior com a literatura de cordel, como sugerir a leitura de folhetos, promover exposições, organizar recitais, convidar o cordelista para ir à escola, usar os textos cordelísticos para discussão sobre determinados temas e assim por diante. Tem muita coisa que se pode fazer com o cordel na escola, e a principal delas é o estímulo à leitura.

FO: Para encerrar, um cordel para a cidade de Coração de Maria.

LF: Essa é a estrofe inicial de um texto que fiz em comemoração ao aniversário da cidade.

“Eu nasci numa cidade 
Que tem nome Coração.
Tem um clima favorável
Muita fé e devoção.
E pra aumentar minha alegria,
É coração de Maria
O nome desse torrão”

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